As postagens desse blog são em caráter informal, de apego ao saber popular, com seu entusiasmo, exageros, ingenuidade, acertos e erros.

sexta-feira, 27 de maio de 2011

A verdadeira história do Bar Caboclo

Vendo velhos recortes de jornais, encontrei uma reportagem sobre o Bar Caboclo. Sabe-se que se tornou histórico em uma Macapá de outros tempos (década de 60), com suas histórias e boêmia, inspirando também a mais conhecida peça teatral no Amapá.  
Era freqüentado por caboclos vindos das ilhas do Pará e por trabalhadores da ICOMI e da Usina Coracy Nunes. Os estilos musicais em voga na época eram o bolero, samba e merengue. As mulheres mais famosas eram: Maria Batelão, Quinta Feira, Cinco Mil , Vadoca, entre outras.  
Num resgate da história, posto a matéria na íntegra. A data precisa não deu para indentificar, mas foi publicada pelo Jornal Folha do Amapá, em 1995. O texto é assinado por Cláudio Mendes e a resenha sobre a peça teatral é de Archibaldo Antunes
O jornal foi consultado na Biblioteca Municipal de Macapá.

A VERDADEIRA HISTÓRIA DO BAR CABOCLO

Bar Caboclo:
inauguração de
seu segundo endereço
Bastou apenas a decisão de um comerciante para que uma história de mais de quatro décadas chegasse ao fim e deixasse estampada a tristeza no rosto de seus protagonistas. O popular Bar do Chico, localizado na esquina da rua São José com a avenida Mendonça Júnior, foi demolido na última semana para dar lugar a uma edificação moderna. Com isso, o que restava da memória viva do velho Bar Caboclo deixa de existir e a esquina da boemia passa a ser a esquina da saudade.
Local de mulheres extrovertidas e homens valentes, o Bar do Chico era o único sobrado de madeira no centro comercial da cidade que vinha resistindo ao progresso. O ambiente era movimentado de domingo a domingo e no período de pagamento a freguesia aumentava. Todos sabiam que naquele velho sobrado a profissão mais antiga do mundo ainda podia ser exercitada à moda antiga.
Como nos velhos tempos em que se usava o palavreado “cabelo, barba e bigode” para deixar subtendido que as prostitutas topavam tudo com o freguês. Resumindo, o Bar do Chico era, de fato, resquício do Bar Caboclo, cuja história ninguém conta melhor que seu próprio fundador, Abrão Serrão de castro. Hoje, aos 73 anos de idade (Jornal de 1995), ele relata o quanto foi importante para ele aqueles anos boêmios.
Bar Caboclo: inauguração de seu segundo endereço
O INÍCIO DA HISTÓRIA

No final dos anos 40, um homem vindo da cidade de Mazagão Velho resolveu montar um negócio. Comprou a área onde funciona atualmente a sede do Sindicato dos Bancários e lá montou uma venda, construída em madeira. Um ponto comercial simples, porém, bem equipado. Lá tinha confecções, picolé, sorvete, produtos alimentícios, suco, refrigerante, aguardente e um nome sugestivo: Bar caboclo. Abrão havia despertado a atenção do povo de uma simples cidade onde quase não havia entretenimento e tudo era novidade.
O bar ficava em área alagada, onde pontes de madeira serviam como passarela para o vai-e-vem dos dias e das noites. O novo ponto comercial da cidade foi visto como uma mina de ouro por mulheres que sobreviviam da prostituição. Não havia local melhor na cidade para se conseguir fregueses. Ali próximo atracavam todas as embarcações que chegavam à Macapá trazendo caboclos ribeirinhos e também marinheiros estrangeiros que ao desembarcarem faziam logo procuração pelo bar.
De acordo com Abrão, o Bar Caboclo nunca serviu como pista de dança e muito menos chegou a ser hospedaria de prostitutas. Segundo ele, o que não faltava eram quartos naquelas imediações para que elas desenvolvessem suas atividades.
“Eram apenas minhas freguesas. Me davam certo problema porque afastavam outro tipo de freguesia. Mas não poderia proibi-las de entrar no bar, mesmo porque elas também me davam lucro”, conta pensativo.
O proprietário do bar tinha lucro com as prostitutas porque quando um freguês se engraçava com alguma delas não tinha pena de esbanjar dinheiro. Abrão cita um costume das freqüentadoras de seu bar: “Adoravam pedir para os caboclos pagarem cerveja para elas e me diziam no ouvido para eu esquecer a bebida e entregá-las o dinheiro mais tarde. Nunca gostei disso”.
Quando os marinheiros não tinham dinheiro para pagar o serviço de bar e o serviço das mulheres, sempre deixavam jóias para cobrir a dívida. Abrão exibe até hoje um anel que recebeu de um gringo (jornal de 1995). Quanto aos caboclos, esses, quando não tinham dinheiro para cobrir suas despesas, o dono do bar até que aceitava um pagamento posterior. Mas com as prostitutas não tinha acordo. A pancada comia e a Guarda Territorial entrava em ação. 
O bar enfrentava outros problemas. Macapá era abastecida de energia das 22h até às 6 da manhã. Por determinação da Guarda Territorial o ponto poderia funcionar apenas até a meia-noite. “Era a época em que tínhamos como Governador Evanhoer Gonçalves e havia um delegado de polícia chamado Isnar Leão que não dava mole. Ninguém ficava fora de casa depois da meia-noite”, enfatiza Abrão.

UM NOVO BAR


O ponto comercial de Abrão deu certo e em três anos ele inaugurou um outro bar, todo em alvenaria, muito mais equipado e pintado em cor rosa. No seu interior tinha uma gravura, de um casal de índios, feita pelo pintor Herivelto. Era um prédio, segundo Abrão, bastante chamativo. Havia poucos como aquele na cidade. O empreendimento mudou de cara e de local, mas o nome permaneceu o mesmo.
Agora o bar caboclo passava a funcionar onde está localizada atualmente uma loja de discos. A freguesia aumentava mais ainda. Em menos de uma hora de funcionamento o comerciante conseguia vender quase quatro grades de cerveja. O bar já era freqüentado até por p3essoas consideradas da “alta”, mas alguns homens não admitiam que suas mulheres pisassem no local. Há um antigo comentário de que um radialista da Rádio Difusora de Macapá chegou a ir buscar sua esposa aos tapas na porta do bar. Ali também era considerado o ponto da fofoca. Depois de alguns copos de cerveja, os homens costumavam fazer comentários sobre os casos de adultérios da cidade. Outro assunto de mesa de bar era virgindade. Todos pareciam saber quais as garotas que eram e as que não eram virgens.
Com o passar dos anos foram aparecendo outros estabelecimentos comerciais na cidade como as boates Merengue e Suerda. Como tudo o que aparecia em Macapá era novidade, essas casas chegaram a roubar a freguesia do Bar Caboclo. A Suerda funcionava como prostíbulo e suas prostitutas tinham fama de ser bonitas. Muitas vinham de outros estados para disputar o mercado com as amapaenses do Bar Caboclo. Mas essa concorrência não foi fato para prejudicar o sucesso do ponto comercial de Abrão. As freqüentadoras do bar caboclo não inflacionavam o preço de seus serviços e recuperavam seus fregueses.
Seria um erro falar sobre o ponto comercial de Abrão sem citar que o bar era uma espécie de reduto dos literatos e jornalistas da época. Muitos deles não iam para o bar com intenção de pegar uma prostituta e levar para um quarto. A movimentação de ir para a cama com alguma prostituta, as brigas, o comportamento de quem olhava o movimento de fora, a fofoca, enfim os intelectuais sabiam que estavam freqüentando um ambiente que ia entrar para a história do Amapá.
O poeta Isnar Lima declarou, em um artigo que escreveu para um jornal de Macapá, que foi no Bar caboclo que foi acometido de sífilis pela primeira vez. 

Apesar da fama, o local tinha um comércio diversificado.

O FIM DO BAR 


Abrão diz que com o aparecimento do Plano Cruzado ficou sem condições de trabalhar devido a crise financeira.

“A crise me pegou de jeito e tive que fechar o negócio”, lamenta. O velho Bar Caboblo foi alugado então ao comerciante Edivar Juarez que lá montou a loja Discão Sucesso. Foram anos de trabalho insuficientes para dar a Abrão a vida de homem rico. A história do bar Caboclo hoje é enredo de peça teatral. O que não é de agrado daquele que foi proprietário do bar. “Ninguém veio me procurar para saber da história. Tudo foi desvirtuado e é compreendido como fato verídico. Isso não poderia ter acontecido”, enfatiza.

Atualmente Abrão reside na avenida Iracema carvão Nunes, em frente a caixa Econômica (jornal de 1995). Divide uma casa simples com uma filha de criação e a esposa, Mirian Fonseca de Castro, que trabalhou também no bar, ao lado do marido, e hoje vive em uma cadeira de rodas compartilhando com Abrão as memórias dos velhos tempos.

Com o fechamento do bar caboclo, as prostitutas passaram a freqüentar o Bar do Chico que dificilmente era chamado pelo nome. As pessoas sempre se referiam ao ponto como se ali fosse o bar caboclo. Agora o sobrado foi demolido e lá será construída uma loja. As prostitutas nada puderam fazer para evitar o fechamento. Mas prepararam uma feijoada para dar adeus a uma história onde foram as personagens principais.
No último endereço, já perto do fim.
UMA MONTAGEM EQUIVOCADA
(Por Archibaldo Antunes) 
A opinião aqui expressa são considerações do autor do texto.
Resolvi conservá-las por expressar um ponto de vista. Cada um faça seu julgamento e tenha suas considerações.
A existência do Bar Caboclo seria restrita ao conhecimento de uma minoria se não tivesse sido pinçada para o palco. O teatro popularizou esse momento da história amapaense que, sem o toque de Midas das artes cênicas, estaria fadado ao ralo do esquecimento. Foram cerca de 100 apresentações em vários municípios do estado e fora dele, arrebatando públicos de vários níveis sociais e diferentes faixas etárias. No Piauí, em maio deste ano (1996), Bar Caboclo recebeu o “troféu aplausos”.

    O autor da peça, Disney Silva, garante que tentou ser fiel à realidade. Não foram seus lampejos de imaginação que construíram a trama mais conhecida do teatro amapaense, mas a história resultou de algumas pesquisas feitas por Disney. Não obstante a seriedade dos esforços, a peça é um exemplo de pobreza artística. Os personagens soam artificiais, inclusive o travesti Veruska, sem o qual “Bar Caboclo” seria um fracasso de público. Os excessos são inúmeros. Abusa-se dos palavrões quando estes deveriam ser usados em momentos-chave, causando no público o impacto que não mais existe pela insistente repetição. Há diálogos e situações desnecessárias, que parecem ter sido incluídas no texto à força de tapas e pescoções.

    Ademais, Bar Caboclo tem uma trama simplória, que se resume no seguinte: Xandico é um boêmio desocupado e sua vida desregrada é motivo para as brigas com Bebel, amante e prostituta. A chegada de um marinheiro agrava as divergências do casal, pois Bebel transa com o desconhecido, enquanto em primeiro plano Xandico é acometido por crise de ciúme. A cena termina em tragédia, com o boêmio assassinado pelo marinheiro. A tragicomédia reinventou uma realidade que está desvinculada da história do Amapá. Na tentativa de retratar hm momento social, as lentes do dramaturgo não poderiam deixar de registrar outras nuances daquele período. Pode ser que daqui a alguns anos a peça Bar caboclo seja lembrada apenas como uma forma de entretenimento, o que se ajusta muito bem ao seu perfil.

A peça teatral já teve inúmeras encenações e, vez por outra, tem a participação de convidados prá lá de inusitados, como Os cabuçus.

Acredito que sempre é válido conhecer e prestigiar o teatro amapaense que, bem ou mal, faz um resgate dessa história, de uma Macapá de outros tempos.

Jornal "Folha do Amapá", 1995