As postagens desse blog são em caráter informal, de apego ao saber popular, com seu entusiasmo, exageros, ingenuidade, acertos e erros.

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

O Arpão e o Anzol (Pescadores da Vila do Sucuriju)

O documentário “O Arpão e o Anzol” foi produzido pelo antropólogo Carlos Emanuel Sautchuk e integra a tese de doutorado em Antropologia Social de mesmo título, apresentada à Universidade de Brasília (UnB) em dezembro de 2007. 
O vídeo mostra as pescas do PIRARUCU e da GURIJUBA na VILA SUCURIJU, comunidade ribeirinha no estuário do rio Amazonas, litoral do Amapá, onde a pesca artesanal é a principal atividade econômica. Vemos as características do local e os processos de captura dos pescadores (marítimos e laguistas) com ênfase às técnicas, experiência, equipamento e ao paralelismo entre a inserção na atividade e a influência no modo de construção da pessoa.

Ficha Técnica:
Roteiro: Carlos Emanuel Sautchuk / Jaime Sautchuk
Locução e Direção: Carlos Emanuel Sautchuk
Imagens: Carlos Emanuel Sautchuk / Geraldo A. Vales / Geaney Santana Gonçalves / Patrícia Pinha
Edição: Marcelo Santos
Duração: 6 minutos
Ano: 2007
Vídeo com legenda em inglês compartilhado do canal Youtube IRIS DAN/Unb
Informações apresentadas:
 
A comunidade (Imagens retiradas do vídeo)
- A Vila do Sucuriju (Distrito do Município de Amapá) tem 520 habitantes (2007) e fica na região do estuário do Rio Amazonas, no Cabo Norte, litoral do Amapá. Apresenta uma área de 16.700 ha localizada na margem direita do rio Sucuriju, próximo à foz. Limita-se a leste com o oceano Atlântico, e a oeste com a Reserva Biológica do Lago Piratuba. A distancia, em linha reta, é de 120 km de Amapá e 220 km de Macapá. O acesso de barco é difícil e, dependendo das condições climáticas e da maré, pode ser de 18 horas (saindo de Cutias do Araguari), ou de até 20 horas (saindo de Amapá).  
Mapa: Sautchuk (2007)

Foto: Patrícia Pinha
- Ela situa-se na foz do RIO SUCURIJU, que está sob influência das grandes marés da região e é completamente percorrido pela pororoca.
Pororoca no Rio Sucuriju (Foto publicada pelo IEPA)
Veja mais imagens dessa pororoca em youtube/JEsivaldoS
Não tem a força da que ocorre no Rio Araguari mas é igualmente impressionante
- A PESCA é a única atividade produtiva e de subsistência. Através do sistema de crédito por aviamento o pescado é revertido na farinha consumida localmente.
- A AGRICULTURA e a PECUÁRIA são limitadas pela inundação das águas marinhas. Também por isso as construções são todas elevadas do solo e ligadas a uma passarela.
Passarelas na Vila de Sucuriju (Foto de FELISBERTO)
Passarelas na Vila de Sucuriju (Foto de Anderson Batista)
- Situada numa região de manguezais sob influência marítima, a água para consumo é obtida das chuvas. Durante o inverno as caixas d'água são abastecidas e na estiagem, de agosto a dezembro, é distribuída uma cota semanal de 30 litros por pessoa.
O fornecimento de energia e obtenção de água potável são problemas que a comunidade enfrenta a anos. Quer conhecer um pouco mais disso? Veja o que foi noticiado no jornalismo local.
Em 2012: Reportagens sobre as dificuldades da comunidade e as expectativas junto aos governantes (Record-AP em Nov/2012 e TV-AP em Nov/2012)
Em 2013: Como estará a comunidade... (Reportagem da TV-AP em Março de 2013)
- Conforme a história local, a vila surgiu no início do século XX quando, a partir de uma promessa feita a N. Srª de Nazaré, uma cobra grande abriu a embocadura do rio antes obstruído. Este acontecimento é celebrado todos os anos na festa da padroeira com missas, bailes e jogos.
Foto de Hélio Pennafort publicada no Facebook por Paulo Tarso
Até a década de 1920, no lugar onde hoje é a Vila Sucuriju, havia apenas algumas feitorias, que eram utilizadas, durante as temporadas de pesca no mar, por pescadores que vinham sobretudo do Arquipélago do Bailique. Os "Antigos" habitantes da região ficavam no Lago, vindo à costa apenas para vender o peixe e comprar alimentos. 
(Trecho do livro "Esse rio abriu da noite pro dia", de Carlos Sautchuk) 
- No mito de origem reúnem-se na vila dois tipos de pescadores especializados: os pescadores MARÍTIMOS, que atuam na costa, e os LAGUISTAS, que atuam nos lagos.
Pescador Laguista e Pescadores Marítimos (Imagens retiradas do vídeo)
- O lago é uma região de manguezais e campos alagados onde os laguistas habitam em palafitas e se deslocam em canoas a remo para efetuara a pesca. O pirarucu é o peixe mais buscado e sua captura é efetuada com um arpão (ponta em metal conectada a uma haste em madeira e ligada ao laguista por uma linha).
- A água dos lagos é escura, por isso o pescador atinge o peixe normalmente sem ve-lo. Ele se orienta apenas pelos sinais que seu movimento provoca na superfície, como as ondulações, as borbulhas e o buio (momento em que o pirarucu vem a tona para respirar).
O arpão (Ilustração retirada da tese de Sautchuk - 2007)
- A captura é uma espécie de jogo com o peixe, considerado esperto e velhaco. O laguista age silenciosamente evitando ser percebido por ele. 
O laguista (Imagem retirada da tese de Sautchuk - 2007)
Pirarucu (Quadro de Herivelto)
- Mas, se o pirarucu parte em fuga, a relação se transforma numa perseguição. Na interação de pessoa a pessoa que estabelece com o peixe, o laguista considera o arpão parte primordial de seu corpo. Quando o arpão se introduz no peixe a canoa é levada e o laguista usa o tato na aproximação do animal.
Pescador e Pirarucu (Quadro de Gibran Santana)
- Ele mata o peixe numa atitude respeitosa que continua na sua preparação e consumo. Na verdade é o peixe que se entrega e consente a própria morte. O sucesso e mesmo a existência do laguista são profundamente influenciados por essa interação.
- O pescador costeiro se considera um elemento do barco. Sua capacidade se mostra na coordenação com os "camaradas" e objetos a bordo como as cordas, o motor e o próprio convés em movimento. O principal desse objetos é o anzol, pois ele captura o peixe no fundo, mas pode também fisgar o próprio pescador.  Para capturar a gurijuba (peixe característico do estuário do Amazonas) centenas de anzois estão conectados a uma linha de cerca de 2 km. Ligado também a ancoras e boias este aparelho é chamado também de ESPINHEL. 
Esquema da pescaria com espinhel.
Ilustração retirada do trabalho "A Pesca na Ilha do Bailique", de Rúbia Vale (2010)
- Antes de posicionar o espinhel no fundo tudo é conectado a linha e os anzois são cuidadosamente ordenados. No momento em que a maré assume um fluxo determinado a "linhada" começa. Nessa atividade de coordenação precisa entre a correnteza, o motor e os objetos dos pescadores a tarefa mais importante é a de jogar os anzois ao mar. Mantendo a ordem e tendo em média menos de um segundo para lançar cada anzol o pescador lida com a possibilidade da linha ser tracionada e movimentar os anzois, que podem então fisgá-lo. Para se defender ele porta uma faca na cintura com a qual pode cortar a linha e se desconectar do sistema mecânico que o levaria ao fundo.
"Puxar a linha" é uma tarefa obrigatória e significativa a bordo, implicando em modificações dolorosas ao engrossar as mãos. (Imagem e informação: Sautchuk)
- Para colher a linha o pescador deve ter as mãos grossas, uma das transformações corporais que o torna capaz de inserir-se plenamente no serviço a bordo. A incerteza sobre a captura da gurijuba não é atribuída ao peixe ou ao pescador, mas às entidades do catolicismo popular local. A principal preocupação para o pescador e o que orienta seu comportamento é a disposição para integrar-se à dinâmica a bordo.
- Além de formas diferentes para captura o uso do arpão e do anzol envolve modos particulares de configuração dos pescadores. São diferentes as capacidades corporais, as relações com o ambiente e as formas de aprendizado e de sociabilidade.

A postagem é uma descrição do vídeo com informações obtidas nas seguintes fontes:

- Livro "Esse rio abriu da noite pro dia", de Carlos Sautchuk (ACT Brasil - 2006)