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terça-feira, 26 de dezembro de 2017

Coleção Sítio do Picapau Amarelo - Monteiro Lobato 2

Histórias Diversas (1947) - Registro no Skoob em 06/05/2017
Bela obra! Infelizmente a derradeira na coleção do Sítio do Picapau Amarelo (falo como fã) com coletânea de histórias curtas que exemplificam bem a proposta do Lobato, da seguinte maneira: o livro tem 14 narrativas, evidenciando momentos em que o autor traz personagens famosos do imaginário infantil para interação com as crianças, inserindo estas no mundo de diversão e aprendizagens na literatura, ciência, história, folclore, aspectos em evidência na época, natureza, mitologia grega, modernidade, entre outras coisas para serem descobertas na empolgante leitura. Tem um pouco disso tudo, destacando-se, em minha visão, uma narrativa cabal no paralelo que fazem entre Lobato e o racismo. Sobre isso acredito apenas em equívocos de contexto que poderia ser melhor trabalhado.
Me diverti bastante e vão aí alguns registros:
- As botas de setes léguas - Pequeno Polegar percebe que o problema que tinha não era tão grande assim. Vou até escrever a última frase: "Incrível que haja no mundo quem se aperte por tão pouco..." (frase de Emília, a Marquesa de Rabicó).
- A Rainha Mabe - Aquele momento de instigar a criançada na literatura e mitologia clássica. Dona Benta fala um tiquinho de A Tempestade (Shakespeare, meu filho) e pega um gancho em Romeu e Julieta para falar sobre a Rainha Mabe (uma fada relacionada à realização de sonhos - não sei mais que isso e toma-te Shakespeare de novo na inspiração da narrativa).
- A violeta orgulhosa - O texto mais curioso. Essa história, teoricamente relacionada ao orgulho vão, nas entrelinhas é um manifesto contra o racismo. Avalie aí... Uma flor branca nasceu em um canteiro de roxas, é chamada de Ariana e passa a menosprezar as outras julgando-se superior e melhor. No desdobramento leva uma senhora lição do Visconde e Emília, que tem argumentos que levantam a autoestima das flores menosprezadas e acabam com as pretensões de visão superior da Ariana.
Pensei em fazer ratificação à uma colocação científica do Visconde nesse conto (rapaz, do Visconde!), mas não vale a pena diante da mensagem maior do texto.
- A segunda jaca - Valoriza o folclore, trazendo a sacizada de volta para as aventuras. E ainda tem uma presepada que ocorre com a Emília (a mesma que ocorrera em outro momento com o Visconde). Acho que o Lobato quis quebrar um pouco a pose de boçalidade dela.
- A reinação atômica - É também curiosa e reflete ecos da bomba atômica, a essa altura conhecida pelo mundo em suas famigeradas detonações. Emília faz uma rápida visita a um local de testes, em segredo, e começa a ficar careca, o que fez o Visconde direcionar para radiação. Acho que era o contexto de medos e especulações no mundo, e o Lobato não deixou de mostrar isso para as crianças, que de um jeito ou outro tomavam conhecimento. O que se explicitou foi o terror que causavam, a ponto de coisas apavorantes (como árvores retorcidas). A história também tem uma cena muito bonita entre a Tia Nastácia e a Emília (não esqueçamos que foi o último livro sobre o Sítio).
Essas são algumas histórias e as outras tem também aspectos curiosos: Pedrinho cogita da Emília ser uma Fada; Lobato deixa uma história incompleta (O Centaurinho) que parece introdução para futuras aventuras; um paralelo entre sagacidade e ingenuidade diante de histórias espetaculosas (ocorrida entre Dona Benta e Tia Nastácia); personagens da cultura americana em projeção (Pato Donald e Mickey); fantasia; teatro, etc e tal.
Ah, tem uma coisa que preciso entender. A Emília é citada como ex-boneca. Eita! Em algum momento ela humanizou, tipo o Pinóquio. Será que dá para descobrir onde, na coleção...
O último Sítio do Pica Pau Amarelo... Ô dó! Não sabia (ou lembrava) quando escolhi para leitura.
Cada vez que leio só aumenta meu gosto por essa coleção. Lobato marcou muito e fico invocado quando, naquela pergunta de citar autor nacional, o povão muitas vezes (não estou generalizando e nem desmerecendo) vai no modismo de rasgar a seda para Machado, Alencar, Jorge Amado, Graciliano, mas às vezes não conhece seus livros intimamente, enquanto sabe muita coisa do Sítio e foram impactadas na infância por ele, sendo instigadas em interessantes histórias ou impulsionadas para a leitura. Aí o Lobato, que não é muito citado por polêmicas da atualidade, quando é, vem alguém e o resume ao racismo. Ah, vai se lascar! O que vemos em sua obra? O que revela?


A Chave do Tamanho (1942) - Registro no Skoob em 26/05/2017

Grandiosa obra de Lobato, publicada em período recente após bombardeio em Londres na Segunda Guerra Mundial. O fato foi citado no início, impactando e inspirando a Emília na busca de uma solução para a guerra, gerando essa aventura que metaforicamente tenta mostrar a origem dos conflitos. Porquês que certamente são primeiros e essenciais passos para se buscar o apaziguamento.
Há aprendizagens que se fazem notar (ou se dá importância) apenas pela experimentação. Por isso Lobato sujeitou a humanidade, indistintamente, à percepção de sua pequenez e fragilidade, de maneira literal e conclusiva para a necessidade de união e acordos para sobrevivência. Essa é a mensagem principal de A chave do tamanho e na falta dessa sensibilidade encaminham-se as guerras.
O livro é espetacularmente surreal, com várias possibilidades de interpretação. Emília é como Alice em um País de Maravilhas (ou terror - ambas possibilidades por conta do inusitado), é Robson Crusoé em um mundo de adaptações para garantir a sobrevivência, é Gulliver na terra dos gigantes, é a humanidade consciente de sua fragilidade, atenta para a busca de união e acordos para a manutenção da vida.
A história tem aventura, suspense, terror, filosofia, política e humor em diferentes momentos (à critério de avaliação do leitor). As partes que mais chamaram a atenção foram o entusiasmo e encanto com a natureza no início (ilustrado pelo idílico pôr-do-sol de trombetas - ô Lobato, que escolha sua na vida, pois manifestou-se aqui o Salmo 19); a visão turrona e cega do major e família na aproximação do "Manchinha" (episódio assustador, crítico à percepções de  conservadorismo); a revolta contra o Homo sapiens, quem mais atrapalhava a existência dos bichos (leia-se a natureza ou a vida); a visitação à Alemanha e Japão, onde Emília encontra o Grande Ditador e o Imperador, apesar de não revelar nomes (nos dois momentos há divagações sobre a pequenez e mesquinhez da ambição humana); o encontro com o coronel Teodorico (momento hilário); o repúdio ao fogo, mostrado como grande destruidor (parece uma alusão às bombas, pois Emília fala de explosões e chamas destrutivas em Londres), Essa última referência é muito interessante, com um diálogo onde a boneca vê o fogo em uso pessimista e certo cientista mostra benefícios para a humanidade (nas entrelinhas, questionamento sobre direcionamentos em impactantes invenções). E o livro tem também uma discussão sobre a nova ordem mundial gerada pela aventura, onde tudo se decidiria democraticamente (todos precisam de ajuda mútua para a sobrevivência).
Legal! Uma leitura instigante, curiosa e genial para diferentes leitores. Se fizessem um filme seria sensacional.
Nos registros para a cronologia do Sítio, relata a morte do Tio Barnabé e, brincando com a fantasia criada por Lobato, por quê Emília foi afetada pela chave do tamanho, já que era boneca e só a humanidade seria afetada? A-há! É uma das últimas obras do Sítio e na última o autor diz que ela havia se tornado gente.
Leitura altamente prazerosa, ilustrando também o porquê da Marquesa de Rabicó ser uma das mais carismáticas personagens da Literatura Brasileira.

História das invenções (1935) - Registro no Skoob em 29/06/2017
Uma das obras no ápice da proposta educativa de Lobato na idealização do Sítio, publicada em 1935. Em linhas gerais, é um livro de história esmiuçando informações curiosas, reveladoras e instigantes para jovens leitores.
Mentes tacanhas podem dizer que Lobato foi oportunista, mas os fatos apontam um educador atualizado com as novidades de momento ao adaptar um livro recém lançado e de destaque no cenário mundial para o universo do Sítio do Picapau Amarelo. O livro em questão é "História das Invenções - O homem, o fazedor de milagres", do historiador Hendrik Van Loon, até hoje valorizado para estudos. Curiosidade à parte, vasculhando um pouco a net, percebi que esse autor explorou temas sobre as artes, história, educação e também investigação bíblica (aspecto que Lobato praticamente descartou).
Encontramos elementos reconhecíveis em outras obras da série, com valores do presente em paralelo com aprendizagens no passado, além de perspectivas futuristas. Tudo com criticidade em sacadas sutis. Repetitivo dizer, mas o autor era muito antenado com seu presente e procurava difundir as informações.
O conhecimento desenrola-se na prosa encabeçada por Dona Benta, que traduz o livro de Hendrik. O predisponente foi os chuvosos dias no mês de fevereiro, que levaram a garotada a buscar novas aventuras, descobertas nas narrativas da Vó, em suas elucubrações (estou estreando essa palavra em meu vocabulário, que aprendi outro dia ouvindo um orador que admiro, e se não sabes vai aprender também).
Espaço para nostalgia... Vivi a época de visitações de vendedores de livros nas casas, quando traziam malas recheadas de obras que impactavam. Eram como Marco Polo contando novidades para seus ouvintes, se preferirem pode ser também uma Sherazarde, e acho que o embevecimento provocado, que também sentia, devia ser o que Pedrinho e companhia experimentava com as histórias da Dona Benta (opa! mais uma palavra que aprendi com o mesmo orador, percebestes qual?).
Ponto em comum nas histórias sobre as invenções é que a simpática velhinha destaca a necessidade em paralelo com a criatividade. Norteadores do progresso.
O que achei legal mesmo, foram as inferências (ca-ham!) de Lobato no desenrolar de alguns fatos. Olha! Mais uma vez ele mostra seu lado visionário e projeta nova guerra, quando fala do desenvolvimento das armas para fins bélicos e a crise de momento. Era o uso da lógica. Outro momento de criticidade é quando mostra o medo como desencadeante de mecanismos de proteção em aparatos inventivos.
O texto mais interessante foi o capítulo VII (Últimas mãozadas) que tem criticidade fantástica. Entre outras coisas, Dona Benta fala de eras glaciais como motivação ao progresso humano na busca de sobrevivência (algo positivo nascido da catástrofe em mecanismos de desenvolvimento), o que não se observa com a catástrofe da guerra (motivacional ao desenvolvimento de coisas terríveis na história humana). O capítulo é muito interessante. Só lendo...
Enfim, gostei, me diverti e embalei pensamentos. Chamo a atenção que requer leitura pausada. Foi assim comigo, acostumado a ler o Sítio, às vezes, em um dia. Agora tive que ir em marcha lenta ou o encanto que poderíamos encontrar se transformaria em algo chato. Não sei se expressei bem a ideia nesse ponto, mas é um livro de alimento mais sólido, para degustação tranquila. Pode crer!
 

E tem mais...

sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

Coleção Sítio do Picapau Amarelo - Monteiro Lobato 1

Monteiro Lobato tem livros conhecidos em todo o território nacional, especialmente sobre o Sítio do Picapau Amarelo, como literatura curiosa e informativa. Creio que os alunos do ensino fundamental em algum momento descobrem essa turma, extremamente instigante aos estudos e aventuras.
Em 2017 reli a série, registrei em um site sobre leituras e resolvi estender as conclusões a este cantinho também (equivocadas, bobas ou não). Afinal, seja no Amapá ou em outro canto qualquer de nosso país, é uma leitura interessante e importante para ser conhecida, mesmo com algumas polêmicas, que no final das contas são provocativas à discussões e aprendizagens.
Vamos aos livros...

Reinações de Narizinho (1931) - Registro no skoob em 13/02/2017
Esse ano quero reler a coleção, preferencialmente em ordem cronológica. Tenho todos os volumes e li há muito tempo. Exceto um, que guardei para reencontro e deleite futuro. Na minha cabeça é como se fosse um doce para mais tarde. Pois bem, desse ano não passa. Para quem tem o Sítio marcado na infância, essa maratona é uma de minhas melhores metas em 2017.
Reinações de Narizinho reúne as primeiras histórias e mostra um caminho em construção. A obra tem momentos surreais que inicialmente eram tratados como um sonho (é o que acontece em relação à primeira viagem ao Reino das Águas Claras e ao das Abelhas, que me parecem os primeiros textos da série), mas o autor vai trazendo as histórias para o mundo real da menina a partir daí, não apenas seu sonho. Ainda bem que começou a ter outra percepção, pois isso engessava as possibilidades.
As histórias tem essa caracterização, de trazer a fantasia para o mundo da criança, buscando inspirações na literatura, cinema e contexto de época em uma cativante mistureba. Lobato construía um universo infantil genuinamente brasileiro quando percebeu a falta.
Vou registrar algumas coisas nesse processo, ainda que bobas:
- Narizinho era chamada por seu nome nos primeiros textos (Lúcia), tem 7 anos e o nome que a consagrou tem relação com a personalidade forte em não aturar desaforo, principalmente quando direcionados a quem gosta.
- Pedrinho tem 10 anos, é filho de Antonica e tem no Sítio a vivência de uma liberdade que não encontrava na cidade.
- Dona Benta é desde o início celebrada por sua sabedoria, principalmente como contadora de histórias, coisa que o Lobato procura incentivar para as crianças.
- Tia Nastácia tem referências que soam de maneira preconceituosa. A maior parte é chamada de a preta e com adjetivos pejorativos como beiçuda. Havia um contexto de época fortemente arraigado à velhas percepções e não necessariamente uma valorização racista, como muitos dizem hoje. Mas convenhamos que a postura, mesmo achando que não, naquela forma arcaica de ver as coisas, era.
 - Visconde foi criado para ser o pai de Rabicó no casamento com a Emília.
- Lobato cita também personagens do cinema e literatura infantil nas aventuras da turma.
- O livro é datado de 1931 (posterior à outras publicações), mas é o precursor do Sítio por ter as primeiras aventuras, escritas a partir de 1920.
- Aí tem maroscas! Registrei a expressão apenas por não conhece-la e achar engraçada. Pedrinho a usava e tem sentido de que existe alguma maldade.
- O livro mostra o quanto Lobato tinha conhecimento vasto na literatura infantil. Eu, que achava que conhecia, não soube identificar as personagens Rosa Branca e Rosa Vermelha. Quem são, hein?
- Gostei especialmente do capítulo que fala da visita dessas personagens ao Sítio. Ah, algumas notas bestas... Chapeuzinho Vermelho parece que não era ainda o nome mais popular da personagem (falavam Capinha ou Capuzinho) e o visual da Branca de Neve era de uma loira (a imagem mudou, creio, a partir do filme da Disney). Quanta besteira... Só escrevo por gostar de registro, ainda que com mico.
- Chama a atenção o fato dos mitos do folclore nacional ainda não aparecerem. Acho que o autor buscava inspirações e colocava suas personagens de maneira dominante sobre as conhecidas na literatura e contexto. Por exemplo: as tiradas da Emília são irônicas e impagáveis no trato com algumas delas; o Pedrinho tem uma rusga com o Aladim (chamado de Aladino) sobre quem era mais audaz; aparece um Gato Félix falso (qual será o tamanho do personagem na época?) que é desmascarado pela esperteza da turma; e o Tom Mix (personagem do cinema) surge como um bandoleiro também engambelado.
- Olhos de retrós. Que característica mais inusitada da Emília citada nesse livro. Toda vez que ficava espantada, os olhos arregalavam e estouravam. Acho que o Lobato não levou isso adiante. Não lembro disso em outros livros. convenhamos que é no mínimo angustiante. Era o processo de construção...
- História, Geografia, Matemática, Mitologia Grega, Literatura Infantil, Cinema... Percebemos um universo vasto tratado na obra do Lobato, mas acho que ele deixou uma lacuna que poderia ser explorada e me leva a investigar a linha de pensamento que ele tinha nisso. Não seria legal brincar também com personagens bíblicos? Por que será que não fez, sendo o país de cultura tão arraigada na religiosidade? Algumas coisas isoladas são citadas, mas rapidamente (como o Pedrinho tentando dar vida a um boneco com o sopro de vida). Qual terá sido sua linha de pensamento? Vou investigar... Será que ele era ateu ou agnóstico como se diz hoje?
- Uma olhadela na internet confirmou o que imaginava do autor...
- Quando descobri, fiquei sugestionado a algumas coisas. Como ia começar a ler o capítulo Pena de papagaio tive a seguinte percepção (mas não estou dizendo que era a intenção do autor): a história parece uma sátira à fé, pois o Pedrinho encontra um personagem invisível que identifica como o Peter Pan (é o juízo de valor dele) e este lhe mostra um mundo de fábulas. Hum... Aí tem Maroscas! Principalmente quando vemos que o Visconde, símbolo da razão e saber, não participa dessa aventura por estar embolorado (esquecido em um canto... história sem razão...). É só uma observação sem fundamentação. 
Voluntário ou não, a boca fala do que está cheio o coração.
- Ah, esse capítulo tem também o texto Os animais e a peste que para mim, agora, é o mais instigante do livro. É uma fábula curiosa e dela veio o Burro Falante para o Sítio (ai, ai... espero não estar sendo um burro falante também).
- Fiquei meio cabreiro na leitura final do livro. Mas também, olha só, fala do pó de pirlimpimpim, que era aspirado e transportava para o mundo da fantasia. Será que o Lobato? Acho que talvez nunca tenha essa resposta... Voltando ao que se quer expressar, é uma valorização da imaginação infantil. Ah, concluí depois que o tal pó de pirlimpim tem correlação com o costume de aspirar rapé.
- O livro termina com o Pedrinho voltando para a cidade.
Imaginação, fantasia, valorização da brincadeira infantil, despertar para a aprendizagem, são os aspectos que se notam no livro. 

Caçadas de Pedrinho (1933) - Registro no Skoob em 25/02/2017
Estou aproveitando o feriadão de carnaval para reencontrar a turminha do sítio. Caçadas de Pedrinho é de 1933, mas os primeiros textos foram escritos cerca de dez anos antes. Acho interessante essa questão de datas, pois acabamos percebendo um processo construtivo na obra de Lobato.
O primeiro capítulo (escrito em 1924) conta uma história horrível e bizarramente violenta, que coloca em choque a turminha com uma onça. É um exemplo de que as percepções podem envelhecer, caducar e os autores tem que ter traquejo nisso. Lobato, nesse texto, é adepto da visão imperativa, arbitrária e destrutiva do homem sobre a natureza. Nesse momento não há noção alguma sobre educação ambiental, tratando-se tudo como um brinquedo. A turminha vai à mata e trucida o bicho, com requintes de crueldade exaltados como grande façanha, reproduzindo a mesma visão que movia muitos na interação com a natureza (e hoje?).
Para entender melhor, pensa em Narizinho esfaqueando como se quisesse tirar uma fatia de pão, Pedrinho esmagando o crânio da onça a peso de coronhadas, Emília atacando com um espeto de assar frango, Visconde enterrando a espada no peito e Rabicó dando um tiro de canhão à queima roupa... Quadro terrível? Era a diversão infantil naquela época no que o autor imaginava para as crianças... Felizmente, parece ter percebido e trouxe visão nova nos textos seguintes, escritos na década de 30 para o mesmo livro, na interação das crianças com a natureza. O Maurício de Sousa, por exemplo, teve e tem muito traquejo na construção de sua turminha.
Segue uma história em que os animais, especialmente as onças, tentam se vingar e atacam o sítio, mas são vencidas por esperteza. Nada de mortes dessa vez, apesar do Pedrinho ter fascínio por armas e querer ser um caçador infalível e implacável, desejando morar na África para seus intentos. Algo continua equivocado, né?
Na parte final, outra evolução no pensamento de Lobato, trazendo uma percepção mais acertada, ainda que no contexto de época houvesse outra visão de prioridades. Seu texto deixou a caduquice do primeiro e introduziu um rinoceronte, uma daquelas feras que o Pedrinho desejava caçar, como um animal de interação curiosa e afável para as crianças. Aqui há desapego à imagem vilanizada da natureza e as crianças aprendem a amar o bicho e lutar por sua permanência em seu convívio. Os personagens do folclore ainda não deram o ar da graça e acho que sobrou para alguns deles o papel de vilão nas aventuras. Melhor assim. Não lembram? Lá vem a Cuca, te pega daqui, te pega de lá...
E aí? Não houve uma progressão no pensamento do Lobato? Espero não encontrar as referidas caduquices nos livros seguintes... Mas também sei de algo que Lobato preferiu congelar e morrer na caduquice: a percepção e imagem construída sobre a Tia Nastácia. Guardo para outros livros da série esse parecer, mas digo que em uma obra que mostrou desenvolvimento, o final foi decepcionante: involução total na caduquice que não se quis largar. Olha lá a última frase...
Registrando amenidades da cronologia da série:
- O Quindim foi introduzido nesse livro como mais uma personagem do sítio;
- Surgem também os besouros espiões da Emília: o Numero 1 e Número 2;
- Os animais já aparecem falantes, sem explicação alguma, como ocorreu em relação ao Burro Falante no primeiro livro. Assim é com Rabicó, os besouros e Quindim (sem que se mencione as pílulas falantes da obra anterior). Acho que o Lobato esqueceu dessa pequena explicação como até então fazia em relação a tudo;
- Cléo foi outra menina introduzida, mas parece que não teve carisma. A justificativa para o surgimento foi mal elaborada e ficou marcada como uma namoradinha do Pedrinho. Na real, Lobato quis dar um jeito de colocar a novidade da rádio em seus livros, já que a menina era representante de uma emissora;
- Lobato era antenado e também deu um jeito de registrar e introduzir o telefone no sítio, na história do Quindim;
- KKKK! Gostei da passada de perna que a Emília deu nos advogados do circo de onde veio o Quindim. Ah, que legal seria se o Lobato tivesse tido o insight de torná-la defensora de certas coisas... Mas ele preferiu uma caduquice nelas.
- É um livro para ser lido, em relação às crianças, com orientações.
Contudo, contudo, gosto muito do Sítio do Picapau Amarelo e tive a grata satisfação de ser alfabetizado em livros com suas personagens, lá no meu Jardim da Infância e Pré-escolar em Serra do Navio... 

O Saci (1927) - Registro no Skoob em 27/02/2017
Perdi o fio da meada na ordem cronológica dos livros, por isso vou desapegar dessa questão. Sei que o Lobato escreveu algumas histórias na década de 20, desenvolvendo-as na seguinte.
O Saci é um dos melhores livros da série, introduzindo personagens do folclore nacional e idealizando a imagem do sítio. Tem um clima bucólico que conquista o leitor, com informações em concepção didática.
Olha como as coisas estão bem arranjadas...
No início vemos Pedrinho saindo de férias na cidade, manifestando muita vontade de ir para o sítio. O que o seduz? Resposta no capítulo seguinte - extenso e bonito - onde Lobato faz um tour minucioso pelo sítio, descrevendo detalhes da casa, dos arredores, do pomar e da mata. Uma construção bucólica que instiga vontade, em face da natureza convidativa e poética, de aventuras e descobertas. Essa valorização ambiental fortalece a origem dos mitos, objetividade também do livro, por ressaltar a natureza de maneira muito presente e grandiosa na interação com o homem, crescendo assim a predisposição aos crédulos folclóricos (decorrentes de mistérios e segredos que se insinuam), principalmente quando ganham vitalidade em outro aspecto também valorizado por Lobato. Mas isso foi assunto para o capítulo seguinte.
O saber popular, desapegado de informações científicas e tendencioso à conclusões ingênuas e imediatistas, é representado em Tia Nastácia e em mais um personagem introduzido nessa obra: o Tio Barnabé. Vem deles as histórias do Saci e de um universo cultural desconhecido ainda pela turminha.
Caracterizando Tio Barnabé, mora nas proximidades do sítio, tem mais de oitenta anos e suas histórias são calejadas no saber popular. É ele quem ensina Pedrinho a capturar o Saci, ao estar completamente envolvido e instigado pelas narrativas orais.
Gosto de histórias folclóricas, mas entendendo as origens e razões, não simplesmente relegando-as à ignorância. Há uma razão existencial e Lobato nas entrelinhas revela as inspirações.
O que acho legal é que o Saci retratado não é apenas o mito pelo mito. Ele tem ares de educador ambiental e interage com o Pedrinho nessas descobertas, levando-o a ter uma percepção diferenciada da natureza em simples coisas (como o casulo das borboletas, o canto dos pássaros e outras similaridades a que, às vezes, não damos muita atenção - talvez fôssemos mais felizes ou menos estressados se déssemos). O diálogo passa por pontos interessantes, como a grandiosidade ao menino estar relacionada à grandes realizações humanas (descrições em livros), enquanto o Saci vê as melhores coisas na natureza. O menino é de certa forma impactado quando percebe que algumas das realizações humanas são motivadas por egoísmo ou se estabelecem através de guerras... Nesse momento ele deseja não se tornar um adulto... Não esqueçamos que estávamos em um recente pós primeira guerra mundial.
Ao falar de outros personagens folclóricos (lobisomem, Iara e etc), voltamos àquela questão de não se valorizar o mito pelo mito. A introdução à eles passa por mais um fator de justificação: o medo. Saci e Pedrinhos ressaltam essa questão e é assim que Cuca e companhia começam a ser conhecidos na obra, pelo menos nesse livro pioneiro. 
Algumas das principais personagens tem descrição didática, onde e como se originaram, mas agora valorizando apenas a crendice popular.
As coisas não foram bem arranjadas? Evidentemente.
Não há destaque para outros personagens do sítio, mas não esqueçamos que o Pedrinho aparentava ser o mais equivocado na interação com a natureza. Narizinho tinha história de casamento com um peixinho, Emília cuidava dos besouros, Visconde era a voz da sapiência (apesar de ter alguns equívocos em narrativas anteriores no trato ambiental) e o Pedrinho desejava ser um grande caçador (como talvez suspirasse a geração de meninos da época).
Mais alguns registros, ainda que bobos:
- Lobato estabeleceu as idades, mudando descrições do primeiro livro. Pedrinho tem 9 anos, Narizinho (8), Dona Benta (64), Tia Nastácia (66) e Rabicó, Emília e Visconde (1 ano cada). Não esqueçamos que Tio Barnabé era octogenário.
- Entre o Saci e Pedrinho se repete a primeira história do livro Caçadas de Pedrinho, mas com final diferente, pois naquele o relato é bizarramente violento. Só para dar uma dica, a Narizinho esfaqueava a onça como se quisesse tirar uma fatia de pão. Quando li lembrei de um filme de 1986 chamado A fortaleza, em que crianças trucidam um criminoso. Mas um detalhe importante: no filme era uma cena de suspense e terror impactante, enquanto que no livro a barbárie infantil era pura diversão e grande feito da garotada.
- Só não gostei de uma coisa. O fato de Lobato explicitamente mostrar sua percepção de ateu. Oras! Se foi cuidadoso em mostrar o porquê de mitos, relativizando a questão, por que foi tão incisivo e imperativo em dizer que a vida se resumia a esse mundo, e que um ser passa de um para outro (valorizando à percepção de Lavoisier em um plano materialista). Não gostei desse papo de Fada da Vida direcionado a quem é o Criador. Parece que era mais fácil a negação de Deus, que sustentar certas coisas. 
Foi o que senti e tive necessidade de deixar em registro.

Memórias da Emília (1936) - Registro no Skoob em (01/03/2017)
Parece um sonho maluco, onde realidade e ficção se misturam. Pudera, a construção é onírica, enfatizando o imaginário infantil com aspectos do contexto de época. Lobato era antenado nessas questões, por isso é um livro moderno em sua proposta. Acredito que muita gente achava estranho, por serem apegadas a uma estética tradicionalista, mas as crianças deviam curtir, reconhecendo coisas que as instigavam.
A proposta tem suas virtudes, mas também teve pontos negativos, não por reproduzir o contexto de época (em coisas impactantes hoje), mas por Lobato posicionar-se de forma ultraconservadora em umas, enquanto que em outras era progressista e inovador. Se estritamente valorizasse um apelo educacional, como se propunha, o Sítio teria importância muito maior, com ares revolucionários
na literatura nacional (se é que isso caiba aqui). Ele, porém, deixou certos aspectos sem um contraponto.
Falando no surreal, maluco mesmo é a voz de Reny de Oliveira soar na minha mente em cada fala da Emília. Sério! Se há uma Dona Benta eternizada no vídeo, a Emília da Reny é a que ficou gravada em minhas memórias como a mais representativa e preferida. Ah, deixa esse negócio de memórias para a Emília, que no livro fala mais ou menos assim...
Lobato valorizava os livros e isso é notório (tem até aquela famosa frase que os sabidos de plantão lembram, a do país e livros, coia e tal), então não é surpresa que isso se reproduzisse em suas personagens. Dona Benta, Visconde, Dona Carochinha... Agora é a vez desse apego se reproduzir na Emília, sua mais representativa personagem e ícone infantil. A pequena inventou de escrever suas memórias, instigando uma gostosa brincadeira, onde a invenção literalmente se faz presente. Com ajuda do Visconde, mãos à obra...
A história tem três momentos, que trazem a percepção de mundo da boneca. Evidentemente, com pontos legais na percepção infantil, mas também bizarros em outros, principalmente por Lobato calar sua objetividade educadora em alguns deles. Estou falando da caracterização relacionada à Tia Nastácia, que é o que mais pega na série. Qual é?! Ele deixou em suspenso o mesmo conceito do Negrinha. Mas ali a situação, embora impactante, é direcionada a uma reflexão, provocativa ao leitor. Aqui, porém, estava falando com crianças, que veem apenas o imediatismo e precisam de alguma forma de orientação. Oras! Se o Visconde e a Dona Benta contrapõem e influenciam no saber das crianças, dando pitacos em cada ocasião favorável, caberia também no trato com a personagem um contraponto, uma orientação. Lobato escreveu coisas que em certos momentos são muito agressivas e extremamente ofensivas, como neste livro, em que a Emília leva a Tia Nastácia às lágrimas e a gente nota que fica por aí, com os termos ofensivos presentes na fala de personagens e, o que é pior, no texto do narrador. Fala-se muito que ele reproduz apenas o contexto de época. Concordo, mas a minha questão é que ele não se interpôs a isso de nenhuma forma. Que se reproduzisse (apesar de que, em alguns momentos ele deu muita vitalidade nisso), mas se construisse também uma interposição, um processo educativo. Como seria fantástico e histórico a turminha nessa aprendizagem, mas ele preferiu nesse aspecto o tradicionalismo, procurando manter as coisas assim em toda a coleção.
Penso também que, se faltou ao autor essa sensatez, nas edições atuais não podem faltar, valorizando-se as obras com notas explicativas, o que até hoje não ocorreu, e se é para deixar sem elas, então sou favorável que se retire certas frases. Algumas até usam o nome de Deus para justificar a agressividade.
Sei que o povo daquele tempo ficaria escandalizado com algumas coisas dos dias atuais, mas uma não justifica outra. É o que penso.
Voltando à história, Emília começa registrando suas origens e não há nada diferente do que conhecemos. Então se inicia a história do anjinho Flor das Alturas. A narrativa vai ficando surreal e personagens da atualidade (fictícios ou não) chegam ao Sítio para conhecer o anjo. A notícia tornara-se midiática nos jornais, rádios, telégrafos e vários líderes mundiais desejam conhecer ou enviar suas crianças. Entre eles o Fuhrer da Alemanha, o Duce da Itália e o Imperador do Japão. Reconheceu essa turma? Formariam o Eixo na Segunda Guerra, que explodiria três anos depois dessa publicação. Lobato apenas registrou líderes que estavam em evidência naquele momento, naquilo que disse de estar antenado com o mundo. O Presidente Roosevelt também foi citado.
Os personagens da ficção citados foram Popeye, Alice, Peter Pan e Capitão Gancho. O arranjo entre eles é surreal, chegando ao sítio ao embarcarem em um navio na Inglaterra que trouxera crianças. Nessa história há um duelo entre Popeye e o Capitão Gancho, e entre Pedrinho e Peter Pan contra o famoso marinheiro Popeye. Há a clara valorização nacionalista, que vilaniza o marinheiro e faz com que leve uma homérica surra, ao ser engambelado pela Emília. Acho que esse lance tem correlação com o fascínio da luta livre no contexto de época (sedutor para muitos, como às crianças, que deviam ter ídolos e quem sabe eventuais brincadeiras). Achei certas partes bastante violentas, de ênfase dispensável, mas quem ditava as rédeas, nesse caso, era o oportunismo de Lobato.
No segundo momento a turminha vai para Hollywood onde encontra-se com a famosa menina prodígio Shirley Temple e juntos encenam uma peça do Dom Quixote, visando uma fita (filme) pela Paramount.
Aspectos, em uma e outra história, que fazem as crianças brincar com novidades ou projeções conhecidas no seu meio, em uma percepção inusitada e atrativa para elas.
O terceiro momento é a visão de mundo da Emília. Um texto ingênuo e bonito no início, mas também forte em certos detalhes por Lobato escolher a caduquice neles. A boneca derrama seu amor pelo Sítio e cada personagem é citada com um carinho em especial. A tia Nastácia está entre elas, mas continua também uma certa ignorância (e nenhuma interposição do autor).
Assim é o livro, o quarto que esse ano reli da coleção do Sítio. Destes, até agora foi o que teve o episódio mais agressivo, por isso citei com um pouco da opinião. Esse episódio se desenrola entre a história das crianças vindas da Inglaterra e a viagem para Hollywood.
Um parecer final. Acho também muito infeliz as considerações e percepções de Lobato direcionadas à Cristo. No início ele sugere que Cristo é mentiroso, com uma interpretação equivocada das Escrituras Sagradas, e no texto final da Emília ele também insinua que o sacrifício de Cristo é inútil e não salva ninguém. Tudo nas entrelinhas.
Cada um com a sua concepção e opinião. As minhas foram assim... 

Aventuras de Hans Staden (1927) - Registro no Skoob em 20/03/2017
Um livro espetacular na série do Sítio do Picapau Amarelo, em que Lobato apresenta a História do Brasil de forma atrativa e instigante para jovens leitores. O drama foi real e impactante, ocorrido na terra recém-descoberta no século XVI, porém, o autor mostrou-se cuidadoso em contextualizar os fatos, que vão se apresentando como uma grande reportagem sobre Hans Staden e o país naqueles tempos.
A história é reveladora do contexto das navegações, das razões de buscas europeias pelo Brasil, da rivalidade entre portugueses e franceses, relação que tinham com os indígenas, cultura destes e significado de muitas palavras que usavam. Dona Benta é a narradora, sem haver qualquer manifestação de Emília, Visconde ou Tia Nastácia.
O texto se desenrola despertando interesse e aprendizagem. No final das contas, ressaltou o prazer pela descoberta e estudos, em valorização aos livros, à História do Brasil e à percepção de se compreender os fatos no contexto em que ocorreram.
Curiosidades à parte, Pedrinho é citado tendo vocação para Odontologia e Dona Benta reforça a imagem de uma educadora que se fez ausente em outros livros de Lobato em certos aspectos.
Fechando a história, em minha visão, faltou o relato do tempo de cativeiro do Hans Staden (9 meses) e também dar uma enfatizada que a experiência resultou em um dos primeiros livros sobre o Brasil. 


Viagem ao Céu (1932) - Registro no Skoob em 30/03/2017
Ô, beleza! É uma leitura prazerosa, com gostinho de saudades da infância, da escola, de aventuras imaginativas e ingênuas, de histórias da vó, de vontade de experimentações e descobertas. O livro mescla tudo isso, brincando e instigando aprendizagens. Uma edição de muito valor na coleção do Sítio do Picapau Amarelo, onde as virtudes estão em maior destaque do que pontos refutáveis (no trato caduco em relação à Tia Nastácia que, especificamente nessa obra, enfatiza que tem uma simbologia e contexto de época... bons observadores vão notar no diálogo da turminha com o São Jorge).
Particularidades pontuais (coisas bobas que estabeleci para mim mesmo na construção de uma memória da obra):
- A história se passa no mês de Abril, que era considerado o de férias de lagarto, ideal para curtição despreocupada (vá entender... só lendo). O mês é também citado como o do aniversário de Pedrinho.
- Cronologicamente a história vem depois do Reinações de Narizinho, dando continuidade à narrativa em que o Visconde se afogara no Reino das Águas Claras (Lobato não teve rodeios em dizer que ele havia morrido, restando apenas o toco mofado da espiga de milho), e Tia Nastácia faz um novo, com outra espiga, que chamaram de Dr. Livingstone, em homenagem à um explorador inglês. Ele é apresentado como um avatar do Visconde e é protestante, com Bíblia e tudo.
- Uma observação absolutamente de cunho pessoal, pois imagino que nem passou pela cabeça de Lobato, mas ele de certa forma reproduziu um contexto de época na visão ao protestantismo. Tia Nastácia teve um asco e receio ao saber do protestante, até se benzendo e pedindo proteção divina, para depois gradualmente tomar simpatia. De onde teria vindo a repulsa inicial? É que o Brasil foi oficialmente católico romano entre a constituição imperial de 1824 e a republicana de 1891. Tudo que fosse contrário era associado à contravenção e essa cultura informalmente persistia no popular, alimentada pela oposição católica romana à chegada em maior escala de missionários estrangeiros protestantes, numa espécie de demonização. Não sem razão, houve muita perseguição e histórias violentamente esdrúxulas, com prisões e destruição de Bíblias. Tia Nastácia, na minha visão, expressou isso em primeiro momento, que foi realidade para muita gente. Nada a ver? Bom, registrei o que acredito.
- O livro poderia ter título de Viagem pelo Sistema Solar (ou Via Láctea), porque é a isso que se refere. Claro, brincando com o saber conhecido na época.
- Antes da viagem iniciar, primeiro há uma aula da Dona Benta em pontos referentes ao universo, no contexto de época. Conhecer, para depois brincar com esse conhecimento. Destaque para a orientação sobre o saber, que pode ser repudiado e cobrar um preço a quem o detém ou defende, citando exemplos como Galileu Galilei.
- A viagem mistura pontos da ciência com folclore e imaginação infantil.
- Entre os planetas, Plutão não foi citado. Fiquei curioso e descobri que isso se deu a partir da década de 1930, em paralelo à publicação dessa obra. A novidade talvez não tinha se consolidado para Lobato.
- Na Lua, a turminha encontra o São Jorge, que não é alardeado numa visão idólatra.
- No passeio pela Via Láctea encontram um anjinho com asa quebrada, que depois levam para o Sítio (cronologicamente, a história com esse personagem se desenrola no Memórias da Emília).
- O Burro Falante é batizado com o nome de Conselheiro. Advinha de quem foi a ideia... A Emília associou a sabedoria dele com os aconselhamentos sempre propícios. Ah, o dragão do São Jorge tentou devorar o pobre e por um momento ele se transformou em um satélite da Lua. Coisas do pó de Pirlimpimpim... KKKK! Quanta maluquice legal!
- Gosto de expressões populares e assim deixo em registro a ótima da Emília, exprimindo contundência (comigo é na batata!), e a do Conselheiro exprimindo surpresa ou entusiasmo (Bofé! que seria um boa fé!). A Tia Nastácia tem uma palavra que é sensacional e busquei significado na net (surpreendente, pois foi citada essa passagem até em tese). Alguém sabe me dizer, por favor, o que é fisolustria? KKKK! O termo foi referido na caracterização ao São Jorge. Sensacional! Gostei desse fisolustria (importância? destaque?). Sei lá, mas gostei.
- Várias aventuras inusitadas no espaço, destacando-se a que montaram em um cometa.
- No regresso, topam com uma equipe de sábios no Sítio, invocados porque estariam desequilibrando o universo com suas reinações (sugestão de questionamentos para as ações que se desempenham? Inconformismo? Quebra de tabus? Numa boa orientação, tudo aproveitável...).
- Legal! Divertido e curioso em suas inusitadas e fisolústricas reinações.
Bofé!


A reforma da natureza (1941) - Registro no Skoob em 13/04/2017
Essencialmente, vemos uma brincadeira com a imaginação infantil ao enquadrar o mundo na lógica inocente da criança. Nessa visão, o inusitado e o surreal se realizam, pondo em prática tenros anseios, como se determinadas coisas fossem possíveis, e o legal da questão é que a percepção final se direciona para uma aprendizagem entre o real e o imaginário. Não no estabelecimento de limites repressores, mas na compreensão da vida, da natureza, da criação e do equilíbrio natural de forma prática, através da observação e experimentação.
Me vi um pouco na infância, quando também acreditava em certas possibilidades na minha lógica em construção. Para mim, nas entrelinhas, a mensagem da obra é um inocente choque de realidade.
Caracterizando o livro, tem dois momentos em que a Emília resolve brincar com a natureza.
No primeiro, ela dá asas à imaginação através do faz de conta e vai construindo as coisas na sua visão de mundo. O fato ocorreu quando estava sozinha no Sítio, já que a turma havia ido para uma certa conferência de líderes para falar de harmonia e paz mundial (tenho algo para expressar sobre isso adiante). A boneca recusou o convite, fula com o andamento do mundo, e resolveu reformar a natureza, contando com a ajuda de uma menina carioca, a quem chamava de Rã, vinda especialmente em atendimento a uma carta por ser sua fã. Um detalhe em especial é que essa menina tem imaginação mais fértil e boba que a da boneca.
Na segunda parte, os outros membros do Sítio retornam, deparam-se com insólitas consequências das ações das reformadoras e colocam as coisas em seu estado normal. Mas quem disse que a boneca parou por aí? Em sua construção de pensamento ela se alia ao Visconde numa espécie de experimentações científicas, relacionadas à endocrinologia, e acabam criando verdadeiros Frankensteins através de insetos, centopéias e minhocas. Novamente uma aprendizagem, relacionada ao respeito à natureza e à vida, em suas razões e peculiaridades existenciais. Tudo tem um princípio.
O que me espantou é que pensei que o livro tinha sido escrito no pós Segunda Guerra, pois Lobato cita uma Conferência Mundial em 1945 para discutir a paz e entendimento, mas estranhei que fossem citados líderes como Mussolini e Hitler, que haviam morrido nesse contexto. Por que o autor teria explicitado esse notório equívoco? A resposta encontrei na data de publicação da obra, em 1941, quando a guerra desenrolava-se criticamente. Dessa forma, há um certo vaticínio (não intencional) para o ano de 1945, marcado pelo fim da guerra e realização de conferências em que se discutiu os rumos do mundo e paz mundial. Teve conferência para definir o fim da guerra (Yalta) e outra no pós guerra (Potsdam) que foram "conferências da paz".
Saber do contexto da guerra na publicação dessa obra me levou a pensar que o autor, ainda que sem ter a noção (ou não) do contexto terrível dos nazistas, falava sobre a questão de se interferir e forçar a vontade imperiosa, ainda que estapafúrdia, decidindo sobre a vida (como fizeram os nazista com sua visão de mundo e em suas práticas de eugenia).
Vamos fazer uma distinção entre a inocente brincadeira da Emília e a ação contundentemente perversa do nazismo. Estão em situações distintas, mas que o primeiro poderia ser usado (eu disse ser usado, não que foi criado para isso) como ilustração para falar disso poderia. Ou será que tô viajando demais? Nem sei se essas práticas do Hitler já haviam sido reveladas ao mundo em 1941. Seja como for, é mais um inusitado vaticínio no livro. Só reflexões despertadas... Ah, se não entendeu, estou falando que Hitler queria fazer uma reforma no mundo e achava que poderia fazer experiências e coisas terríveis.
Finalizando, algumas coisas que gosto de registrar sobre a cronologia do Sítio, sejam bobas ou surreais:
- O nome completo do Tio Barnabé é Barnabé Semicúpio da Silva, e sua casinha é perto da ponte.
- Os livros "A chave do tamanho" e "Dom Quixote das crianças" foram citados. Ah, mas tem histórias referenciadas também em outros livros da série, mas não vou citar.
- Lobato, à essa altura, sabia da representatividade de Pedrinho e Narizinho, por isso, de maneira surreal, foi citado pela Emília que pararam de crescer há anos (seriam eternas crianças). É tipo aquela: por que heróis da década de 40 até hoje existem nos mesmos moldes, do mesmo jeito, atravessando gerações? Oras, muito simples. Para mim é assim, representam ideais, anseios e motivações que perduram, seja em um Batman no combate ao crime ou na criança que nos encanta com suas descobertas e aventuras, reconhecidamente nostálgicas a cada um.
- Qualé, Lobato? Deixastes Narizinho de escanteio e ela praticamente não aparece no livro. Por isso, quatro estrelas na avaliação. KKKK!
- Espero não ter escrito muito bobagem, mas não quero esquecer de nenhuma dessas coisas na memória associada ao livro.
- Resgatando mais uma palavra (ou expressão) que aprendi dessa vez com a Emília, é "sossorossossó!".


Essa aventura não acaba aqui.

terça-feira, 5 de dezembro de 2017

Viagem pelo Amazonas, 1735-1745 (Charles-Marie de La Condamine, 1759)

Legal! Encontrei na Biblioteca SEMA-AP essa obra, em duas edições, com  extraordinária expedição na Amazônia do século XVIII.
Relata, à Academia de Ciências da França, a expedição iniciada em meados de 1743 em Jaén de Bracamoros e finalizada em Belém do Pará em meados de 1744, para o levantamento da carta de curso do Rio Amazonas. Objetiva mais instruir do que divertir dando ênfase aos aspectos da geografia, da astronomia e da física. 

Viagem pelo Amazonas, 1735-1745 (Charles-Marie de La Condamine) 
Edição: Nova Fronteira/EDUSP - 1992
Nos primeiros contatos com os europeus, a Amazônia foi palco de expedições extraordinárias. Inicialmente com desbravadores e missionários, que deixaram relatos fantasiosos ou imprecisos, entusiastas a um mundo de mistérios e instigantes descobertas. Baseando-se neles, no segundo momento vieram aventureiros no encalço de lendas e conquistas como o Eldorado ou a tribo das guerreiras amazonas.
Esse livro tem o registro de um terceiro momento, representado por expedição científica, pioneira entre 1735 e 1745. O autor foi o francês Charles-Marie de La Condamine, naturalista e um dos líderes dessa expedição, que teve aval da Academia Científica de Paris. Interessante que em paralelo, houve outra rumo à Lapônia para medições geodésicas sobre o formato achatado da Terra nos polos. Ambas tinham em comum a confirmação dessa teoria, ainda não comprovada, com comparativos de medições nos polos e próximo ao equador (nem me arrisco a dizer mais que isso, pois esse é um assunto que não entendo em seus pareceres técnicos).
Passagem pela Amazônia
A expedição de La Condamine durou dez anos, entre a partida e retorno para a Europa, e contou com diversos estudiosos (naturalistas, geólogos e matemáticos). O registro é voltado principalmente para o período na Amazônia, que se estabeleceu entre 1743 e 1745. 
No trajeto, desceram o rio Amazonas desde o Peru, chegaram à foz no Atlântico, contornaram a costa amapaense, passaram pelas Guianas e retornaram à Europa. 
Os anos anteriores apresentaram a passagem por Martinica, transposição para o Oceano Pacífico através da América Central e entrada no continente sul-americano pelo Equador, onde começou a expedição do relato (1743).
O livro traz também um relato sobre levante no Peru, em 1739, em que ocorreram desavenças. Isso se estendeu também no retorno à Europa, onde houve disputas pelo direito das informações. Não me aprofundei nisso e apenas deixo o registro.
O formato é de um grande relato sem tópicos ou capítulos, em estilo que já observei em outros livros antigos. Isso tende a ser chato e, se não fosse a vontade de vislumbrar a Amazônia em parecer de outros tempos, não me empolgava com a leitura em texto pouco didático (comparativamente aos padrões atuais). 
Uma crítica à edição da Nova Fronteira/EDUSP: não curti a opção de não deixar os tópicos do sumário em destaque na parte do livro onde são citados (seria um cabeçalho).
A parte inicial é dominada por especificações técnicas, geodésicas, coisa e tal e o texto, na minha leitura, foi ficando interessante da metade em diante, com descrições da região, da fauna, flora e populações nativas. Curioso que, mesmo sendo uma expedição científica, havia expectativas de encontrar coisas extraordinárias relacionadas às lendas (Eldorado e amazonas guerreiras). Bom, não podemos dizer que não encontraram coisas extraordinárias também...
Imagina adentrar aquela floresta grandiosa, em um rio já considerado o maior do mundo, com seres até então nunca descritos na Ciência, em suas caracterizações distintas e únicas. Af! O povo de fora fica embasbacado até hoje, imagina para aqueles gringos de outros tempos.
Há relatos de locais de difícil acesso, onde tiveram que enfrentar corredeiras ou andar pelas florestas. Desta maneira foram descobrindo centenas de aspectos novos. Senti entusiasmo dos naturalistas nas descrições da anta, do poraquê, dos morcegos vampiros, dos jacarés (citados como feras que atacavam as canoas), das sucuris, dos macacos, dos quatis, das aves, entre outros. 
A flora foi também contemplada e estudada. Esses cabras devem ter sido os primeiros biopiratas nessas bandas, levando sementes da seringueira para a Ásia. Vemos descrições da borracha, do óleo de copaíba e do uso do quino em enfermidades. 
Os expedicionários teceram pareceres também sobre as populações indígenas encontradas, obviamente dominados pela visão antropológica europeia. Relataram que eram glutões, preguiçosos e tiveram pena das mulheres, descritas com conotação de escravas.
Olha que legal! Passaram por minha cidade (Macapá) com rápidas descrições, pois era só um entreposto, e conheceram o local onde seria construída uma nova fortaleza (hoje, orgulho amapaense, bem aqui em nossa orla). 
Costeando o Amapá, citaram a ilha de Maracá e conheceram a foz do Araguari, onde dedicaram interessantes observações para a lendária pororoca (se a passagem fosse hoje, não veriam mas nada - acabaram com a pororoca do Araguari, devido o impacto de três hidrelétricas e outras ações danosas ao meio ambiente). Citaram doenças tropicais (alguns morreram na expedição) e a obra, por essas e outras, teve impacto para o conhecimento científico da época.
Finalizando, curti o empolgante mergulho no passado de minha região. Ainda hoje grandiosa em revelações, apesar de alterações ocorrendo a passos assustadoramente rápidos e destrutivos. Ah, lamentei que o livro não trouxesse o grafismo registrado na expedição, coisa de praxe. Só mostrou dois mapas (do trajeto completo e específico da passagem pela Amazônia).

Viagem na América Meridional (Charles-Marie de La Condamine) 
Edição: Senado Federal - 2000
Relato da expedição científica do naturalista francês La Condamine, no século XVIII. A primeira a descer o rio Amazonas, do Peru à foz, fazendo parte de um projeto da Academia Científica de Paris, que buscava medições da Terra em comprovação do formato achatado nos polos, ainda não comprovado cientificamente. A expedição se estendeu entre 1735 a 1745, contando os anos a partir de 1743 como específicos à navegação no rio Amazonas (o relato valorizado nesse livro).
Li na edição da EDUSP, de 1992, por ter sido a primeira que me foi oportunizada. Ambas tem o relato na íntegra, com diferentes tradutores, mas a principal diferenciação está na organização metodológica. A EDUSP apresenta o relato sem interrupções, de forma inteiriça, com possíveis tópicos mostrados apenas no sumário. Já nessa edição, o texto foi divido em capítulos e sub-tópicos, em uma caracterização mais interessante para a leitura e visão geral. Gostei dessa dinamização, pois a leitura torna-se muito mais interessante e favorável ao entendimento. O leitor vai avançando no relato sempre alertado para o que vai encontrar, o que permite redobrar a atenção. Convenhamos que é bem melhor! Na primeira obra tive que voltar constantemente ao sumário e isso tendia a ser desanimador e pouco instigante.
Outra diferença é o acréscimo de anexos na edição do Senado, que se direcionam para dois assuntos: o levante ocorrido no Equador em 1739 e breve relato de Godin de Odenais sobre a expedição de sua esposa.
Visão geral da expedição de La Condamine
No primeiro aspecto, o fato está nas duas edições, mas a segunda desenvolve mais o ocorrido com outros textos. Em linhas gerais, um médico da expedição foi assassinado em Cuenca no Equador e houve uma incitação do povo contra os expedicionários. A história teve relações com o envolvimento do médico com uma mulher e, apesar dos acréscimos, não é uma parte interessante. Os textos adicionais são perfeitamente dispensáveis, como fez a EDUSP. Essencialmente mostram depoimentos no julgamento. Chatos!
Já o anexo mostrado como carta de Godin de Odonais à La Condamine (em 1773) é interessantíssimo e exclusivo à essa edição. Na carta, o tal Godin relata o ocorrido à sua esposa, que após alguns anos da expedição de La Condamine resolveu trilhá-la também. Porém, com total insucesso. Mas também, olha só... Enquanto La Condamine era cercado por especialistas em sua comitiva, a esposa de Godin parece que foi mais no entusiasmo, cercando-se de parentes e perigos não calculados. Não deu outra. Perderam suprimentos, alguns índios que a acompanhavam como guias e ajudantes deram no pé, naufragaram em uma balsa e, do total de quase 50 pessoas (contando com irmão e filho), só ela sobreviveu na mata, onde perambulou perdida por vários dias. O relato é burocrático, pois o autor privilegia mais as ações desenvolvidas por ele que a história da mulher em si. Ele nem cita seu nome. O que!? 
Imagens ilustrativas encontradas na internet
Ora, rapaz! Diante de tão fantástica história pesquisei um pouco mais. Na internet encontramos relatos mais detalhados. Isabel Godin de Odonais (registro no Wikipedia) foi quase à loucura, permanecendo nos primeiros dias próxima aos corpos até se aventurar na mata, perdida e exaurida, onde foi resgatada por índios que a levaram para uma missão. De lá, conseguiu chegar à foz do Amazonas, onde enfim reencontrou o esposo depois de um tempo longo (anos). Gostaria de conhecer melhor essa história... Será que tem algum livro? Merece e deve ter sim. O relato de Godin, apesar de instigar, é muito pobre em informações para os mais ávidos. Péssimo contador de histórias...
Finalizando, a edição do Senado traz também um índice. Ninguém lê, nem é para isso, mas quando você precisa faz uma diferença fundamental, principalmente em textos longos, multifacetados e sem muitas divisões metodológicas.

É isso. As duas edições estão no acervo da Biblioteca da SEMA em Macapá. Uh, sumano! Foi mais uma leitura das antigas muito paidégua, que você pode conferir também!

segunda-feira, 27 de novembro de 2017

Otoniel Alves de Alencar - O Apóstolo da Amazônia (Oton Alencar, 2017)

Está em suas mãos uma das principais obras da literatura evangélica recente, a biografia de Otoniel Alves de Alencar, eminente pastor expoente da Assembleia de Deus no Brasil.
A história de vida do Pastor Otoniel Alencar, hoje considerado O Apóstolo da Amazônia, é uma verdadeira saga de cunho universal, eternizada por meio dessa obra, de autoria do filho Pastor Oton Alencar.
Ainda menino, indagava os pais sobre a origem da Terra e do Universo. Aos quinze anos, ainda adolescente, converteu-se ao protestantismo e logo se tornou fervoroso evangelista a semear a palavra de salvação.
Bem, a partir daí você vai ler e saber de toda essa história.
 
BESALIEL RODRIGUES

INFORMAÇÕES DO LIVRO
Título: Otoniel Alves de Alencar - O Apóstolo da Amazônia
Autor: Oton Miranda de Alencar
Editora: Gráfica JC
Ano: 2017
Páginas: 196


O ano de 2017 é diferenciado para os evangélicos no Amapá. Além dos 500 anos da Reforma Protestante, celebramos também o centenário da chegada dos evangélicos em nosso estado, representados em primeiro momento pela Igreja Evangélica Assembleia de Deus, e o centenário do pastor Otoniel Alves de Alencar, que com méritos ficou conhecido entre os assembleianos como O Apóstolo da Amazônia.
Esse livro foi um dos marcos no cronograma de festejos, apresentando a biografia de Otoniel Alencar, resgatada pelo pastor Oton Alencar, filho e atual presidente da Assembleia de Deus A Pioneira.
Literatura preciosa, ressaltando vários aspectos do cenário histórico da Amazônia e Amapá no século 20. Esse contexto foi uma das coisas que mais gostei, onde vemos uma trajetória de empenho, lutas, superação e abnegação em histórias edificantes para a cristandade, revelando detalhes curiosos e emocionantes, que se fundem com a consolidação da Igreja Assembleia de Deus no Amapá.
Merecem destaque na leitura: o início do pastorado no Maranhão, o estabelecimento em Cruzeiro do Sul, no Acre, e a chegada em Macapá no ano de 1962, quando a igreja local tinha apenas o templo sede e uma congregação, expandindo por todo o estado nos 32 anos de ministério do pastor Otoniel.
O pastor passou por vários estados e no Norte foi o único a ser presidente da Assembleia de Deus em três capitais (Boa Vista, Manaus e Macapá).
Interessantes também os contrastes que percebemos na igreja, vendo-se caracterizações no início, como a necessidade dos pastores receberem o batismo pentecostal (razão do pastor Otoniel ser efetivado no pastorado dez anos após a conversão, mesmo trabalhando com afinco na obra - certamente um período de preparação para as experiências que passou em seu ministério).
Leitura imprescindível para quem deseja descobrir boas e edificantes histórias no viver cristão. Fantásticas e emocionantes pela disposição ao IDE de Jesus.
O único ponto que não gostei foi a ausência de uma linha temporal. Pastor Oton tem um texto bonito, elegante e instigante, de agradável leitura, pontuando muito bem os relatos. Mas a datação fica um pouco dispersa, não ficando tão evidente para o leitor. Penso que a linha temporal valorizaria mais o livro.
A obra traz também acervo fotográfico e testemunhos dos filhos.
 
Página 193, exemplificando o acervo fotográfico do livro.

Veja um trecho (resumido) para percepção de cada capítulo, 
na apresentação do autor:


Alguns fatos aqui contados foram narrados por ele próprio, outros eu vivi com ele quando passei me entender por gente. Outros episódios foram narrados pelos seus irmãos.
No Capítulo I, vou buscar nos escaninhos da minha mente as primeiras lembranças na convivência com o meu pai. O foco é Cruzeiro do Sul, cidade perdida no interior do Acre, lugar onde lampejou as primeiras reminiscências do meu existir. Foram 4 anos de provas e aprendizagens nos quais o pastor Otoniel foi testado no cadinho das provas que se habilitam os chamados para Deus.
No Capítulo II, mergulho na busca dos seus ancestrais.
No Capítulo III, abordo o seu nascimento e infância. 
No Capítulo IV, falo da sua iniciação religiosa. Falo da sua conversão aos 15 anos e sua devoção para com as coisas de Deus. 
No Capítulo V, discorro sobre o seu casamento e a sua vida nômade. 
Já no Capítulo VI discorro sobre as igrejas abertas e a perseguição religiosa. Talvez esse capítulo entre os outros seja o mais comovente.
No Capítulo VII narro a sua saída do meio da parentela, tal qual Abraão, atende o chamado de Deus e vai evangelizar o norte e nordeste brasileiro. Foi o primeiro e único pastor a pastorear 3 capitais do norte do Brasil. Por isso o título lhe cabe bem - O Apóstolo da Amazônia.
No Capítulo VIII, descrevo sua vida em Cruzeiro do Sul. Ao ler esse capítulo, o leitor vai descobrir que o pastor Otoniel viveu verdadeiras epopeias. É um capítulo para ler e reler.
Depois vem o Capítulo IX. O pastor Otoniel vai pastorear a aprazível cidade de Parnaíba - a Princesa do Mar (seguindo-se outras histórias).
Já o Capítulo X vem com o tema: Macapá - A outra metade do seu ministério. Como esse período é muito longo, eu divido por décadas.
Capítulo XI, falo dos fatos ocorridos na década de 60.
No Capítulo XII, falo da década de 70.
Já no Capítulo XIII, uni as décadas de 80 e 90.
O epílogo é composto por depoimentos dos 9 filhos sobre o pastor Otoniel. Depoimentos eivados de um misto de verdade e emoção.


Emocionante, interessante e edificante! 
Olha, até rimou! 

domingo, 12 de novembro de 2017

O controle social exercido pela ICOMI como estratégia de usos e ação sobre o território no Amapá, de 1960 à 1975 (Elke Daniela Rocha Nunes)

As abordagens e conceitos sobre a ICOMI, em um contexto popular, ressaltam sua importância com saudosismo e ênfase ao desenvolvimento promovido, geralmente resultantes de experiências vivenciadas nos áureos tempos da Empresa.
O direcionamento nesse livro está na valorização da investigação histórica, onde se evidenciam aspectos não tão conhecidos e que, de certa forma, surpreendem e propõem visão diferenciada.
A autora, ELKE DANIELA ROCHA NUNES, professora da UNIFAP, aborda a ICOMI na perspectiva do capitalismo que a movimentou e levou a criação de estratégias para manter o domínio na região. Um governo fechado em paralelo ao governo territorial, que apresentou uma série de influências sobre o meio social em mecanismos de controle para sua ação.

O primeiro aspecto abordado foi o resgate da história da região serrana, desvinculando da ideologia de que era um lugar abandonado, citando-se cultura extrativista, de subsistência e garimpagem presentes. Atividades que gradativamente se restabelecem, ainda que timidamente, após a saída da ICOMI, em uma história que fora obliterada.
Segundo a publicação, uma das estratégias de propaganda da Empresa foi de construir uma imagem de abandono e desocupação da região, com necessidade de sua instalação em condições irrestritas para promoção do progresso e benefícios. Nesse ponto, o Amapá é citado como mais benevolente com a Empresa do que o contrário, no ganho que teve. Chama a atenção a argumentação de que o minério explorado, de qualidade excepcional no cenário mundial, que fora escape e fortalecimento aos EUA na Guerra Fria, deveria ser equiparado em valor semelhante ao do petróleo. O que redundou para o território ficou em torno de 4% do que representava no mercado mundial.
A questão da construção das vilas operárias (Serra do Navio e Amazonas) e todo o complexo da ICOMI, na caracterização de sociedades fechadas meticulosamente controladas, é abordada no contexto da ideologia fordista. Uma maneira de potencializar o controle empresarial em prol dos ganhos, com produção em larga escala e controle sem interferências.
O recorte temporal (de maior evidencia desse aspecto) foi registrado pela autora entre 1960 a 1975, correspondendo a fundação das vilas até o momento que esse modelo começou a perder força.
Interessante que o estudo ressalta o controle em muitos e sutis (ou não) detalhes, diretamente ligados à forma de vivência no complexo. Funcionários de níveis diferentes em hierarquia eram separados para não afetar o rendimento no trabalho, por isso a separação em convivência e muitos contrastes, como as casas.
Havia rigidez para muitas coisas, até para festas informais, quando a distribuição de bebidas se dava por barril de chopp, exemplificando outra forma de estabelecer controle sobre a vida social.

Incentivos para maior eficiência incluíam premiações com bens materiais e destaque nas antigas revistas ICOMI.
O cenário é de controle social, rigidez na rotina e exploração, onde os maiores beneficiados eram funcionários vindos do sul e sudeste. A população local privilegiada era apenas dos funcionários, fechando-se essa sociedade para a realidade externa, que na prática vivia à margem do desenvolvimento aclamado. As compras restritas aos funcionários no mercado ilustra isso.
Vemos também pequenas estratégias que os funcionários usavam para fugir do controle rígido, como as compras no cartão para os colonos. Minha mãe fazia isso, como muitos serranos.

As estratégias de governo fechado também são apontadas como causa da involução das vilas após a saída da empresa, por conta da dependência gerada e pouca autonomia do governo territorial nessa região. A dependência da ICOMI impossibilitou o fortalecimento da sociedade. Basicamente, subserviente e sem conquistas em construções democráticas. Tudo era gerenciado e dominado pela empresa sem a participação popular, fadada à dependência em mecanismos pré estabelecidos.

Há referências também à degradação ambiental promovida pela Empresa, onde se destaca o estudo da contaminação no Elesbão em Santana pelos rejeitos de manganês, seja pela infração de ser estocado em larga escala em uma região habitacional ou pelo repasse como material complementar na pavimentação asfáltica.

O capítulo que mais gostei foi o quarto. Tem abordagens sobre a história e peculiaridades das Vilas de Serra do Navio e Amazonas, o Porto de Santana, a Ferrovia e circunvizinhança, como a Baixada do Ambrósio, Vila do Cachaço e Elesbão. T
ambém é excepcional o terceiro, na visão do controle social.

A obra foi publicada em 2014 pela UNIFAP. Uma leitura de descobertas e aprendizagens de maneira interessante e prazerosa.

INFORMAÇÕES DO LIVRO
Título: O controle social exercido pela ICOMI como estratégia de usos e ação sobre o território no Amapá, de 1960 à 1975
Autora: Elke Daniela Rocha Nunes
Editora: UNIFAP
Ano: 2014
Páginas: 172

SUMÁRIO
1) Contextualização da produção mineral na Amazônia
2) Estratégias de poder e apropriação do território: a ICOMI no Amapá
3) O cotidiano do trabalhador da ICOMI dentro e fora do espaço fabril: como se efetivava o controle social
4) Ação e controle para uso do território

Em valorização da informação, registro o que a autora enunciou sobre cada um dos capítulos:

"No Capítulo 1 procurou-se contextualizar os processos de ocupação da Amazônia, bem como o início da produção regional nessa região, mais enfaticamente o Projeto ICOMI no Amapá e como se deu o processo de controle e uso do manganês. Neste momento, já se inicia uma breve análise, tratando de algumas questões consideradas mais atuais.
No Capítulo 2 foram feitas análises sobre o significado do processo de implantação do empreendimento produtivo mineral no Amapá e ainda tenta demonstrar como a hierarquização resultante da combinação destas diversas formas de controle social poderia corresponder a uma estratificação das condições de inserção dos trabalhadores no processo produtivo propriamente dito.
No Capítulo 3 buscou-se fazer uma exposição de como as formas de controle social efetivadas pela ICOMI foram utilizadas como estratégias de poder junto aos seus trabalhadores, subordinando-os às estratégias, normas e modelos de comportamento mais adequados aos interesses da Empresa, para garantir a apropriação do território. Procurando mostrar como as formas de controle efetivam-se materialmente pela constituição das vilas operárias, da estrada de ferro, dos usos do território, pela instalação do porto, bem como, simbolicamente por premiações, campeonatos, publicação de periódicos entre outros.
O Capítulo 4 busca analisar a forma como a ICOMI administrava a EFA, o Porto de Santana e as vilas operárias, bem como a região das minas. Ainda esclarece a relação que foi estabelecida com essa circunvizinhança."

LEITURA INDISPENSÁVEL PARA ESTUDIOSOS
SOBRE A ICOMI NO AMAPÁ.

NA ATUAL CIRCUNSTÂNCIA, O LIVRO PODE SER CONSULTADO NA BIBLIOTECA DA UNIFAP.